Redes sociais: regulação e responsabilização no Brasil

de Elisângela Dias Menezes

Ação política de cunho terrorista, como a invasão de Brasília, toda articulada pela internet. Mais recentemente, chacina como a de Blumenau, motivada, dentre outras causas, pela perversão do abuso de jogos e excesso de tempo no ambiente online. Esses são apenas alguns exemplos dos efeitos nocivos e inaceitáveis do uso desregulado das redes sociais pela sociedade brasileira.

Os chamados crimes de ódio são um resultado de nossos processos históricos de preconceito social, associados à ignorância e desinformação geradas pela divulgação de notícias falsas e danosas. Esses crimes têm sido objeto de intensa preocupação mundial de estados, governos e da própria sociedade.

Àqueles que, assim como eu, são entusiastas da tecnologia e estudiosos da inovação, não podem faltar as necessárias análises jurídicas sobre o cenário de uso da internet no Brasil. 

Estamos falando de regulação, ou seja, das regras de controle da circulação de conteúdo online, hoje, praticamente inexistente no país. Mais do que isso, estamos falando também da responsabilização de quem incita ou permite a incitação da violência no espaço virtual.

Para isso, é importante entender como o tema tem repercutido no mundo. É preciso saber também quais são os desafios para a nossa evolução jurídica a favor de um uso mais responsável das mídias sociais.

EUROPA

O continente europeu se destaca pela preocupação crescente com a regulação da internet. O alvo das autoridades é o poder de comunicação e o império econômico das big techs. As gigantes da tecnologia, como Google, Microsoft e Meta, têm um papel decisivo sobre o controle do que circula em meio digital.

Um golpe duro aos interesses das big techs na Europa foi a edição do GDPR (General Data Protection Regulation). Trata-se do regulamento do Parlamento Europeu que constitui a lei de proteção de dados europeia. Isso porque a legislação, para proteger a privacidade das pessoas, responsabiliza com multas pesadíssimas as empresas que desrespeitam as regras de tratamento de dados pessoais no continente europeu. As punições chegam a 20 milhões de euros ou a 4% sobre a receita anual global da companhia – a que for maior. 

Dentre os temas do GDPR que interessam à regulação de redes sociais no mundo, destacam-se: 

  • a proteção contra a exposição excessiva de crianças na internet;
  • os princípios de controle e transparência quanto à invasão e o vazamento de dados;
  • o próprio enquadramento do “controlador de dados” como o agente de tratamento responsável por tratar os dados e definir claramente a finalidade de uso.

Foi em 2022, porém, que as big techs passaram a ter suas atividades de circulação de conteúdos mais diretamente reguladas na Europa. No mesmo ano, foi aprovada pela Comissão Europeia a Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA). Ela estabelece o enquadramento de “grandes plataformas de tecnologia” para as empresas com mais de 45 milhões de usuários. A lei obriga esses empreendimentos a seguirem regras bem mais restritivas do que as demais empresas.

A partir da edição da DSA, as grandes plataformas que atuam na Europa devem prestar contas às autoridades sobre suas atuais medidas, incluindo a quantidade de moderadores. O objetivo é evitar a disseminação das chamadas fake news.

Na Europa, as big techs também passaram a ter que fornecer acesso a seus bancos de dados e aos seus algoritmos. Além disso, devem dar explicações a respeito, inclusive mostrando como tais algoritmos definem qual conteúdo está no topo do feed, merecendo o destaque junto aos usuários. Como penalidades, a DSA prevê a obrigação de mudanças de algoritmo, multas de até 6% do faturamento da empresa e até mesmo a proibição de operar na Europa.

EUA

Nos Estados Unidos, o cenário é bem diferente. Num ambiente de liberalidade de gestão da internet e de mínima intervenção estatal na circulação de conteúdos, não há previsão clara de regulação das mídias sociais. Ao contrário, a seção 230 da chamada “Lei de Decência nas Comunicações” (CDACommunications Decency Act) blinda as plataformas digitais da responsabilização por suas postagens. 

Editada no período de popularização da internet (1996), essa lei americana acabou tendo na seção 230 o seu principal pilar. A ideia, à época, era favorecer a disseminação da tecnologia. O argumento era de que as empresas não poderiam se responsabilizar pelo conteúdo que terceiros publicam na internet nem mesmo interferir diretamente. A justificativa se dá no princípio da ampla liberdade de expressão, preconizado pela Constituição dos EUA. 

Ao contrário da Europa, e mais recentemente do Brasil, os EUA não têm uma lei nacional de proteção de dados. Assim, no território americano, ela se dá por meio de leis específicas e regionais, que regulamentam apenas determinados setores: saúde, finanças e telecomunicações.

Mesmo nesse ambiente nacional de liberalismo econômico e de uma governança descentralizada e multissetorial da internet, a liberdade excessiva das big techs tem sofrido importantes ataques judiciais. Essas ações levantaram a discussão sobre a necessidade de limitação à blindagem estabelecida pela seção 230 da CDA.

Dentre os processos judiciais contra big techs em curso nos EUA, está sob análise da Suprema Corte americana o caso do Twitter versus parentes norte-americanos de Nawras Alassaf. Ele foi um jordaniano morto em 2017, numa boate em Istambul, durante um massacre organizado pelo grupo terrorista Estado Islâmico.

Na ação judicial, os parentes da vítima acusam o Twitter de ajudar e incitar o Estado Islâmico ao não exercer nenhum policiamento sobre os conteúdos publicados na plataforma. 

Ainda não há decisão judicial a respeito do caso, mas ao comentá-lo, o governo americano tem demonstrado claro apoio ao Twitter. A rede afirma não haver relação de causalidade entre a situação ocorrida e a legislação americana, incluindo a Lei Antiterrorista.

BRASIL

Em território nacional, ainda não temos uma legislação específica de regulação das mídias sociais. Embora nossa governança de internet adote os princípios de liberalidade americana, existe uma tendência de regulação mínima do ambiente digital. Ela tem sido demonstrada pelas leis mais recentemente editadas no Brasil e pelos projetos de lei sob análise no Congresso Nacional.

Com efeito, no que tange à privacidade de dados, inclusive na internet, adotamos nos últimos anos a nossa própria Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei 13.709 de 2018), inspirada fortemente pela GDPR europeia. 

Embora o teor da LGPD seja menos restritivo que o de sua lei de inspiração, os mecanismos de controle e penalização ficaram evidenciados pela previsão expressa de fiscalização e cominação de multas por parte da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Além disso, inspirada na DSA europeia, tramita na Câmara dos Deputados, há cerca de três anos, o Projeto de Lei (PL) das Fake News (PL nº2630/2020). Ele prevê diversos mecanismos de controle da circulação de conteúdos na internet e pode representar uma importante ferramenta de controle das redes sociais no Brasil.

Dentre os interessantes mecanismos de regulação da internet, previstos no projeto de lei, destacam-se os seguintes:

  • identificação clara de conteúdos pagos;
  • restrições de compartilhamentos de dados das plataformas junto a seus parceiros comerciais;
  • proibição de disparos de mensagens em massa com fins políticos e de venda dos respectivos softwares que fazem esses disparos.

O projeto de lei brasileiro ainda prevê:

  • obrigatoriedade de representação das big techs por meio de empresas constituídas no Brasil;
  • proibição de monetização de contas de pessoas que ocupam cargos públicos de alto escalão;
  • previsão de remuneração dos veículos de comunicação (jornalismo) por parte das big techs, em função da divulgação de conteúdos em seus sites.

Por ser discutido num ambiente multissetorial, com a participação inclusive de representantes das big techs no debate público, o projeto de lei está longe de formar consenso. Isso dificulta, senão impede, a sua aprovação.

O assunto está em alta no país e muitos casos de responsabilização judicial das plataformas têm chegado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, as pretensões punitivas são reguladas pelo Marco Civil da Internet (MCI – Lei 12.965 de 2014), legislação brasileira que regula o uso da internet no país. 

Por meio do MCI, os provedores de aplicações (plataformas) só são obrigados a retirar um conteúdo do ar no Brasil após respectiva decisão judicial. Também só podem ser civilmente responsabilizados (condenados a pagar indenizações, por exemplo) se descumprirem essa ordem judicial prévia.

Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou publicamente uma proposta de ampliação da responsabilidade jurídica das plataformas pelos conteúdos que circulam na Internet. 

Há previsão de três níveis de regulamentação. Segundo o ministro, o primeiro nível, e mais grave, responsabilizaria as plataformas por conteúdos que ensejem o cometimento de crimes graves, incluindo atentados contra a democracia brasileira. Isso deve ser feito por meio da reprogramação de algoritmos e retirada por iniciativa própria. 

Já no segundo nível de controle, estariam, na tese do ministro, as situações que geram clara violação de direitos individuais, como a exposição de fotos íntimas. Nesse caso, a ideia é de que as plataformas retirassem os conteúdos mediante simples notificação extrajudicial, diretamente enviada pela vítima.  

Por fim, o terceiro nível abrangeria exatamente as situações que não se enquadram claramente nas hipóteses anteriores e que exigiriam análise e decisão judicial. Nesses casos, as plataformas deveriam aguardar a decisão do respectivo processo para proceder com a suspensão dos conteúdos.

A proposta do ministro Barroso representa contribuição intelectual interessante para uma possível revisão do MCI. Assim, passaria a exigir uma postura mais ativa das plataformas no controle de conteúdos publicados em seus respectivos ambientes. Essa proposta também precisaria ser transformada em projeto de lei, devidamente aprovado pelo Congresso Nacional. Por isso, certamente esbarraria nos mesmos entraves políticos e sociais que travam a aprovação do PL das fake news. 

Seguimos acompanhando os debates mundiais na esperança de que o Brasil encontre seu próprio caminho de regulação das mídias sociais. Ela deve ser amparada pelas boas práticas internacionais, mas principalmente orientada às características sociais de seu povo ainda tão carente de educação e de cidadania digital. 

Precisamos falar sobre Direito e internet para inserir a população nesse debate. Para isso, como humilde contribuição, apresentamos a Plataforma Powerjus, o livro “Curso de Direito Autoral”e dezenas de vídeos no YouTube e textos no blog. O objetivo é disseminar informações jurídicas simples e de aplicação direta.

Acreditamos que a formação de consciência cidadã passa por uma equação difícil de executar, mas relativamente simples de entender. Só pode exercer direitos quem sabe que os tem. Por isso, a educação jurídica é a base de tudo.

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