Cidadania digital: consciência e responsabilidade dos cidadãos

de Elisângela Dias Menezes

Documentos digitais, login no portal do governo para assinatura digital, emissão e pagamento de tributos pela Internet. Todos os dias somos chamados ao ambiente digital para o exercício de direitos e deveres. É cada vez mais comum ouvirmos falar da chamada cidadania digital. Mas o que, afinal, significa isso? Qual a diferença para a cidadania comum, enquanto garantia do indivíduo no Estado democrático?

Reflexão sobre cidadania

Importante começar pelo conceito de cidadania. Juridicamente, a cidadania pode ser conceituada como a garantia de direitos civis e políticos ao povo na formação do Estado. O exercício da cidadania pelos indivíduos pressupõe a qualidade de ser cidadão e, consequentemente, sujeito de direitos e deveres.

Neste ponto reside um importante questionamento sobre o exercício da cidadania em nosso país. Se a cidadania envolve o exercício de direitos e deveres, é absolutamente necessário que haja educação jurídica e amplo conhecimento das leis. Afinal, como seria possível exercer direitos que não se sabe que tem?

Assim, a cidadania não é apenas um conjunto de prerrogativas ideais, num plano teórico. Cidadania é ação, participação, responsabilidade, opinião, construção. Na sociedade digital, a Internet tornou- se um espaço privilegiado para o exercício de tudo isso.

Cidadania digital

Neste contexto, a cidadania digital pode ser entendida como o exercício de direitos e deveres no ambiente online, a partir da garantia do acesso à Internet e às ferramentas tecnológicas em constante evolução.

Também o exercício de direitos e deveres digitais deve se pautar pelos preceitos básicos da convivência humana, criando um ambiente social adequado para a ação efetiva e o convívio social harmônico. Pode-se elencar quatro valores como pilares básicos da cidadania digital. 

Consciência

O ambiente digital apresenta imensas possibilidades, mas também determinadas limitações. A consciência pode ser entendida como a perfeita compreensão do tempo, espaço e contexto. A pessoa consciente é aquela que sente, pensa e atua com conhecimento daquilo que faz. 

Sem dúvida, a cidadania digital exige consciência. Impossível utilizar qualquer espaço, a qualquer tempo, sem a completa noção de onde se está e do que se pode e deve fazer. Estar na Internet é uma nova forma de estar no mundo, de interagir, de trabalhar, de estudar, de empreender, de se divertir e até de estabelecer relações afetivas.

Aos poucos vamos compreendendo que existe uma personalidade digital para cada indivíduo, formada por seus dados, preferências, buscas, percursos e interações. Assim como um currículo, um histórico escolar ou os registros na carteira de trabalho, essa personalidade digital vai acumulando experiências e abrindo portas para descobertas e novas perspectivas.

Responsabilidade

Ainda existe uma errônea compreensão de que a Internet é um mundo à parte, de relações frágeis e anônimas exclusivamente voltadas para o lazer e o ócio. Também subsiste uma ideia de impunidade e de efemeridade que conduz a muitos desvios.

A Internet não é terra de ninguém. A vida digital é repleta de operações jurídicas que implicam em riscos e responsabilidades. Assinamos contratos, fechamos negócios. Lidamos com valores importantes como a privacidade, os dados pessoais, a intimidade e a imagem de outras pessoas.

Além disso, as relações com o Poder Público estão cada vez mais digitais. Nossos documentos estão sendo gradativamente digitalizados. Os tributos e multas são emitidos e pagos pela Internet. Obtemos certidões, declarações, entre outros documentos jurídicos de forma totalmente remota.

Hoje, há diversas formas de identificar alguém na Internet. Nosso histórico de navegação, nossos dados de login e check-in são formas de registrar o que fazemos. Os profissionais de tecnologia da informação conseguem desvendar os disfarces mais sofisticados e rastrear as comunicações mais ocultas.

Assim,  a ideia da proteção pelo anonimato é cada vez mais frágil. Também a produção de provas digitais é hoje mais acessível e tem amplo valor jurídico. Pode-se fazer um registro digital em sites próprios para isto ou mesmo uma ata notarial em cartório para registrar conversas de WhatsApp, posts em redes sociais e prints de comentários indevidos.

Tudo isso para dizer que a responsabilidade pelo que se faz na Internet não é só uma questão de respeito e consciência: é um dever jurídico, cuja violação gera consequências tão graves quanto as infrações cometidas no mundo físico.

Ética

A ética é a ciência que estuda e classifica a conduta do homem (ser humano) em sociedade. É o crivo filosófico da nossa razão a embasar as nossas atitudes. Também na Internet não devemos fazer aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem.

À medida que as relações digitais vão se diversificando e se aprofundando, é de se esperar que as condutas individuais sejam cada vez mais pautadas por seu mérito e impacto coletivo. É a máxima de que nem tudo o que é lícito, é desejável ou conveniente. Sem ética não se vive no mundo físico, nem no digital.

Segurança

Nem todos os domínios e sites são seguros e convenientes. Nem todos os links são confiáveis. Nem todas as pessoas são quem elas dizem que são. Infelizmente, contrariando todos os preceitos éticos, as infrações, crimes e violações de direitos se multiplicam também na Internet.

Assim, é muito importante cuidar da própria segurança e da proteção dos valores em jogo nas relações digitais. Vale conhecer e utilizar mecanismos de segurança como senhas confiáveis, certificados digitais, autenticação em dois fatores e outros.

Assim como não andamos na rua dispersos e alienados, também não devemos navegar assim na Internet. Importante estarmos atentos aos indícios de fraudes e suspeitar de contatos desconhecidos. A cidadania digital passa pela proteção de nossos próprios valores e de nossa personalidade digital. 

Uma dica final

Após apresentar os valores que regem a cidadania digital, pode-se dizer que ser cidadão é exercer direitos e deveres na Internet, com consciência, responsabilidade, ética e segurança. Quanto mais entendemos as possibilidades que o mundo digital nos traz, mais devemos estabelecer os limites de nossas condutas neste espaço coletivo.

Como dica final, fica o preceito do respeito a este desconhecido e novo mundo. Quando fazemos uma viagem, nunca exploramos novos lugares sem o devido cuidado. Também na vida digital devemos navegar com parcimônia. 

Devemos buscar, descobrir e usar recursos, ferramentas e espaços a partir da percepção contínua e gradual das respectivas regras de condutas esperadas e desejáveis. Só assim vamos conseguir exercer direitos na Internet, mas também cumprir deveres e responsabilidades que a vida online nos exige para, de maneira efetiva, conquistar a nossa cidadania digital.

Veja também: 

Cinco usos do Direito Digital em sua vida

Redes sociais: regulação e responsabilização no Brasil

20 perguntas e respostas sobre o Direito Autoral

você pode gostar

Deixe um comentário