Não é novidade para ninguém que a inteligência artificial vem sendo amplamente utilizada para criar obras de arte. Os resultados têm sido surpreendentes. Na música, a inteligência artificial hoje é capaz de gerar músicas de diversos gêneros. A própria Google aderiu a esta tendência, criando o MusicLM, um sistema de IA gerador de músicas a partir de comandos de texto.
Outro exemplo é o Mubert AI, um app de criação de músicas por inteligência artificial que gera sons instrumentais, feitos especialmente para serem usados como trilha para vídeos, podcasts e streams.
Na fotografia, a inteligência artificial tem sido utilizada para criar imagens com base em parâmetros ou exemplos fornecidos. Já no cinema, a IA hoje é fonte de criação de roteiros e vem sendo comandada até mesmo para dirigir filmes.
Por sua vez, na literatura, a IA tem sido utilizada para autoria de textos a partir de comandos chamados de prompts. Assim, em questão de minutos ou mesmo segundos, podem ser produzidos artigos, crônicas e até livros inteiros.
Não há dúvidas de que a inteligência artificial vem revolucionando os processos criativos, mas como utilizá-la sem perder a originalidade e sem violar os direitos autorais? Como ficam os processos de autoria com a sua adoção nos mais diferentes segmentos artísticos e culturais?
Inteligência Artificial e Direito Autoral
De maneira simples, o direito autoral pode ser entendido como o conjunto de normas de proteção dos direitos do autor de obras artísticas, científicas e literárias. No Brasil, a Lei nº 9.610/98 regula este direito e define o que é protegido por ele.
Um aspecto importante nessa discussão é o fato de o direito autoral ser dividido em dois tipos de prerrogativas: o direito moral e o direito patrimonial de autor. O direito moral diz respeito à autoria e à criação em si: é inalienável e irrenunciável e visa proteger a personalidade do autor. Já o direito patrimonial corresponde às questões de comercialização da obra: é transferível e visa proteger o interesse econômico do autor.
Assim, embora seja possível atribuir direitos econômicos sobre obras criadas por inteligência artificial, é muito difícil lidar com os direitos morais decorrentes da autoria dessas obras. Isso porque a lei autoral claramente define que a criação protegida é aquela criada pelo ser humano.
Os riscos de plágio
Nesse ponto da discussão, outro aspecto que surge é o risco de plágio. Caracterizado pela cópia disfarçada de uma obra sem a autorização do autor original, o plágio representa ilícito civil e penal.
Hoje é cada vez mais fácil identificar o plágio, pois existem softwares bastante aprimorados, capazes de identificar se uma obra contém trechos copiados. Para evitar o plágio, é importante que o autor cite as fontes utilizadas em sua obra e faça referência a elas. Além disso, ele deve produzir resultado original, de forma a não ter a autoria confundida com a das obras que lhe inspiraram.
No caso das obras criadas por inteligência artificial, ainda que se saiba que são produzidas por tecnologia generativa, capaz, portanto, de criar informações novas a partir de conjuntos de dados pré-existentes, fica sempre a dúvida quanto à originalidade dos resultados.
O que diz a lei brasileira
O fato é que ainda não há uma legislação específica no Brasil que regule a criação e uso de obras desenvolvidas por inteligência artificial. No entanto, em outros países as discussões avançam sobre o tema.
Na União Europeia, por exemplo, foi criada recentemente uma legislação específica sobre inteligência artificial. No que tange às criações autorais, a nova lei obriga que haja identificação de que o conteúdo foi gerado por IA e que haja a publicação de resumos dos dados protegidos por direitos autorais utilizados como fonte (uma espécie de citação).
Além disso, a partir de agora, na Comunidade Europeia, a norma passa a obrigar os desenvolvedores a integrarem, na criação e aprimoramento das inteligências artificiais, comandos voltados para que os resultados não carreguem conteúdos ilegais.
Nos EUA, apesar de não haver ainda uma legislação específica sobre o tema, o escritório de direitos autorais dos Estados Unidos (USCO) divulgou orientação no sentido de que conteúdos criados integralmente por inteligência artificial não contam com a proteção autoral.
Enquanto não se define tais limites no Brasil, há cuidados importantes que podem e devem ser tomados para evitar que o uso de inteligência artificial configure plágio ou gere resultados que não são passíveis de aproveitamento criativo. O mais importante deles é nunca usar na íntegra o conteúdo produzido por IA.
Os humanos no comando da Inteligência Artificial
Mesmo considerando que a IA é capaz de produzir um conteúdo 100% original, não se pode controlar a escolha das fontes e das informações que vão compor o seu pensamento. Também não há filtro ético, estético e artístico controlável pelo ser humano.
Além disso, a IA trabalha sob comando humano e sempre vai gerar resultado limitado àquilo que lhe foi encomendado. Por tudo isso, o que a inteligência artificial produz sempre carece de análise, edição, adaptação e transformação para gerar produto ou obra verdadeiramente criativa.
Caso o autor tome esses cuidados de comandar de forma única e personalizada a inteligência artificial e, depois, dar o seu toque humano e subjetivo ao conteúdo produzido pela tecnologia, poderá chegar a um resultado verdadeiramente autoral.
Nesse caso, a IA terá sido usada como ferramenta e não como criadora intelectual. Aliás, a legislação autoral brasileira reconhece o caráter autoral da edição, adaptação, tradução e transformação de conteúdos, garantindo direitos a quem desenvolve essas atividades.
Surfar na onda da inteligência artificial generativa é muito melhor do que negar a existência ou ver nela um inimigo intelectual. Temos em mãos uma poderosa e rápida ferramenta pensante a serviço de nossa criatividade. O melhor: sem a necessidade de lhe atribuir coautoria. É uma questão de ver o copo meio cheio. O que você acha dessa ideia?