Vamos começar traduzindo a expressão “ghostwriter”. Em português, ela significa “escritor-fantasma”. De fato, esse é o título que se dá ao autor que cria em nome de outra pessoa. Na prática, estamos falando do sujeito que abre mão da autoria. Ou seja, que cria, redige e produz, mas não coloca a sua assinatura.
Assim, apresenta a obra permanentemente ao mercado como se fosse outra pessoa, atribuindo a um terceiro todas as prerrogativas da autoria. É o que ocorre, por exemplo, com alguns autores de discursos previamente encomendados. Gente que escreve textos para políticos e autoridades. Elas podem ser jornalistas, escritores e profissionais de Letras que emprestam seu talento, mas não colhem os louros.
Tais discursos acabam sendo proferidos pelo encomendante — muitas vezes uma autoridade pública —, como se tivesse sido de sua autoria. Trata-se, corriqueiramente, do trabalho de assessores ou subordinados, cujos salários, inclusive, dependem da realização desse tipo de atividade.
Como o meio jurídico encara essa prática?
Não há consenso entre os autores de Direito a respeito dessa situação. Bruno Jorge Hammes (2002) sugere que sejam consideradas obras sob encomenda. Entretanto, ele admite que o senso comum não tem reconhecido qualquer direito a esses autores fantasmas. Ao fim, o jurista conclui que o melhor seria considerá-los como escritores, cuja obra aparece sob nome estranho. Só que essa classificação, embora aceitável tecnicamente falando, não resolve o problema principal do autor fantasma, que é o fato de alienar (transferir a terceiros) o inalienável.
De fato, a lei de direitos autorais determina claramente que o direito moral de autoria (crédito) é eterno e não pode ser cedido a ninguém. E parece mesmo altamente incongruente que um autor escreva premeditadamente disposto a transferir a autoria a outra pessoa.
Como se vê, trata-se de verdadeira violação ao princípio da indisponibilidade dos direitos morais de autor. O encomendante, nesse caso, faz verdadeira apropriação da criação literária de terceiros, tomando-a para si em comportamento muito semelhante ao do plagiador. Importante frisar que há uma diferença: nesse caso, ele conta com a anuência do autor original.
Simplificando
Todavia, o fenômeno ocorre na prática e precisa ser, de alguma forma, explicado. Afinal, com a crescente especialização do trabalho, a incidência de casos tende apenas a aumentar. Pode-se, então, pensar em uma espécie de contrato particular, verbal ou escrito, entre o encomendante e o autor original. Por meio dele, o escritor concorda em ceder o direito de utilização da obra em nome próprio a quem encomendou. Isso em meio a todos os direitos de exploração econômica (chamados de patrimoniais).
Não se trata da solução ideal, uma vez que uma prática contrária à lei não pode ser validada por meio de uma simples justificação. Nem mesmo por um contrato particularmente assinado entre as partes envolvidas. Antes disso, a explicação acima decorre de uma mera tentativa de compreender o que se passa em um mundo de autorias difusas, ocultas e muitas vezes absolutamente desconhecidas.
O ideal é que cada um assinasse o que cria e que houvesse uma garantia moral de autenticidade dos textos, discursos e demais criações intelectuais. Mas como não parece ser nesse sentido que caminha a humanidade, que pelo menos o escritor-fantasma faça jus a uma remuneração apropriada e específica. Afinal, ele está fazendo uma cessão preciosa de sua condição de autor. Assim, a pessoa será valorizada economicamente pelo seu trabalho de criação, em detrimento do seu sagrado direito ao crédito.
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