A popularização do ChatGPT trouxe novamente à ordem do dia o debate sobre o mérito intelectual das obras criadas por inteligência artificial. Desde que as “máquinas pensantes” começaram a produzir arte, literatura e até produtos industriais, ficou difícil definir o que é um original inédito e como lhe atribuir os devidos créditos.
Em primeiro lugar, vale salientar, ainda que em breves linhas, o que é a inteligência artificial ou IA, como é mais conhecida. Trata-se de dispositivos eletrônicos e digitais criados pelo homem para realizar operações cada vez mais complexas, a partir de uma lógica semelhante à do raciocínio humano.
Essas operações se dão a partir de comandos, chamados de algoritmos. Eles conseguem processar dados em alta velocidade e gerar resultados surpreendentes, automatizando funções até então atribuídas exclusivamente ao ser humano.
Pode-se dizer que o campo da IA ganhou especial projeção a partir do desenvolvimento das tecnologias de machine learning (aprendizado de máquina) e deep learning (aprendizagem profunda). Elas são vertentes da IA voltadas para o autoaprimoramento dos dispositivos e para o uso e desenvolvimento de redes neurais artificiais, semelhante ao cérebro humano.
Pode-se dizer que, no campo artístico, o DALL·E foi um divisor de águas. Lançado em janeiro de 2021, ele possibilita a criação de imagens surpreendentes a partir de uma descrição textual simples. De lá para cá, a tecnologia vem sendo aprimorada e já conta com um editor de rostos e roupas. Além disso, tem ferramentas de recriação de partes invisíveis dos quadros.
A questão autoral suscitada nos debates é que se a IA consegue “criar” obras artísticas, como fica então a questão da autoria? Isso porque a lei autoral brasileira (Lei nº 9610/98), semelhante a legislações do gênero mundo afora, prevê expressamente que as criações autorais são as do “espírito humano”. Com efeito, segundo a melhor doutrina autoral, o autor é sempre pessoa física, que depois poderá atribuir a terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, os direitos sobre suas criações.
A questão da originalidade também é polêmica. Há uma discussão sobre o mérito artístico das obras autorais criadas por IA. De fato, plataformas como DALL·E, em geral, se baseiam na combinação de elementos de um vasto banco de dados de obras de artistas humanos. A partir dos comandos fornecidos, elas geram resultados autônomos. Seriam, portanto, essas obras originais? Ou seriam derivadas? Teriam criatividade, apuração estética, sensibilidade capaz de justificar sua classificação como arte?
É de se notar que este texto traz muitas perguntas e nenhuma resposta. O Direito nem de longe acompanha o ritmo frenético da inovação tecnológica. Enquanto os problemas éticos e jurídicos centrais são debatidos, outras plataformas de inteligência artificial vêm sendo desenvolvidas. A partir disso, seus conteúdos passam a conviver com obras humanas de forma indiscriminada, em espaços digitais destinados às artes e à cultura.
Há quem diga que as criações de IA são obras sem autores (apenas titulares ou proprietários) ou obras em domínio público direto (sem direitos econômicos). Tem quem afirma ainda que são obras cujos autores seriam os criadores da respectiva IA (donos da tecnologia). Por ora, são apenas conjecturas à espera de definições legais ou jurisprudenciais.
Nesse cenário, a sociedade tende a adotar soluções de caráter social, ao invés de medidas jurídicas. A difusão do ChatGPT junto ao grande público, com sua incrível capacidade de gerar textos autônomos, inteligentes e complexos, pode ser o início de uma revolução na educação. Isso porque os famosos comandos de “copiar” e “colar” rapidamente ficarão obsoletos.
Aos poucos, a grande habilidade a ser adquirida pelos estudantes tende a deixar de ser a mera elaboração de respostas corretas. Ela se encaminha para concentrar na formulação de perguntas complexas e na análise crítica dos resultados alcançados. O resultado pode ser uma educação cada vez mais analítica e menos conteudista e decoreba.
Aliás, esse parece ser um caminho sem volta. Cresce a curiosidade em torno do modelo de linguagem do Bard, anunciado este ano pelo Google como o principal concorrente para o ChatGPT. Seu lançamento deve esquentar ainda mais os debates.
A IA, baseada em LaMDA (Language Model for Dialogue Applications, ou Modelo de Linguagem para Aplicações de Diálogo) promete conseguir fornecer respostas novas e de alta qualidade às perguntas formuladas.
Ressalta-se aqui que os conceitos de plágio, autoria, obras originais e derivadas precisarão ser aos poucos repensados. Gradativamente, o conteúdo e as competências e habilidades humanas prevalecerão sobre as formas e expressões literárias. Afinal, a inteligência artificial apresentará sempre infinitas, e cada vez mais rápidas, maneiras de contar uma mesma história.
Vale destacar que o debate não está apenas no campo autoral. Já existe inteligência artificial inventando produtos, fórmulas e soluções tecnológicas no campo da propriedade industrial.
Em decisão datada de agosto de 2022, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) julgou um pedido de patente que apresentava como inventora uma máquina dotada de inteligência artificial, chamada de Dabus.
Novamente, prevaleceu o entendimento de que o inventor deve ser sempre pessoa física. Essa decisão foi tomada em consonância com o entendimento dos escritórios de patentes do Reino Unido, EUA, Europa, Taiwan, Coreia do Sul e Nova Zelândia para o mesmo caso.
Como se vê, talvez a grande tendência em propriedade intelectual não seja exatamente a de atribuir autoria à inteligência artificial. Porém, a de reconhecer novas espécies de criações intelectuais de natureza artificial.
Nesse sentido, há projetos de lei para regulamentação da inteligência artificial no Brasil, cuja implementação dependerá do enfrentamento de diversos aspectos éticos e normativos intrínsecos à discussão. Cabe ao Direito, em especial ao Direito Digital, acompanhar as rápidas mudanças de cenário. Além disso, tecer as análises necessárias para evolução social do tema, sem perder de vista a necessária segurança jurídica das relações em jogo.
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