A época das mídias físicas piratas, tais como CDs e DVDs falsificados, nos deixou como legado uma visão míope e amoral do que significa e representa a pirataria. A transformação digital vivida pela sociedade nas duas últimas décadas alterou os rumos dessa prática condenável. Além disso, deixou mais pobre a nossa economia, cultura e desenvolvimento social.
Mas afinal, o que caracteriza, atualmente, a pirataria? É muito provável que a “miopia” quanto a essa prática seja decorrente do desconhecimento, por múltiplos fatores, de sua natureza e consequências.
Se antes era preciso toda uma indústria física para falsificar bens culturais, hoje não é necessário qualquer aparato específico. A chamada “pirataria digital” está dentro de nossas casas, em nossos computadores e dispositivos móveis.
Inicialmente, é preciso compreender o significado do termo pirataria. Ela não está prevista diretamente na lei de direitos autorais ou em qualquer outra legislação. Portanto, a pirataria pode ser compreendida como o nome popular do crime de violação de direito autoral com objetivo de lucro. Ele está previsto no parágrafo primeiro do artigo 184 do Código Penal brasileiro.
A lei prevê que, sendo a violação cometida com objetivo comercial, o crime será considerado mais grave. Além disso, a iniciativa de investigação e o respectivo processo judicial ficam ao encargo do próprio Poder Público, podendo gerar pena de reclusão de até 4 anos.
Quais são hoje as formas efetivas de violação comercial aos direitos autorais?
Afinal, não há mais a cultura de CDs e DVDs piratas em cada esquina. Também não existe a recorrência da cópia reprográfica (cópias de “xerox”) integral de livros e apostilas nas papelarias e escolas. Com efeito, a era digital camuflou a prática ilegal, fazendo parecer que o comportamento desapareceu com o mercado fonográfico tradicional.
O fato é que, hoje, a pirataria é digital. Somente no ano de 2021, informações do FNCP (Fórum Nacional Contra Pirataria e Ilegalidade) identificaram um prejuízo de R$ 287 bilhões para empresas brasileiras com a prática de violação comercial, principalmente de conteúdos musicais e televisivos. Conforme o estudo aponta que os setores mais pirateados naquele ano foram: televisão, editoração (livros), cinema, música e aplicativos.
A chegada do streaming tornou simples o acesso, por meios alternativos, a conteúdos originais protegidos e cuja produção é cara e valiosa para o mercado. Entendido como uma nova forma de distribuir conteúdos autorais (sem a necessidade de fazer download do arquivo), o streaming permite o acesso às obras pela internet. É um meio de transmissão muito livre, tecnológico e pouco regulamentado e, por isso mesmo, de difícil controle.
Das práticas mais comuns
As práticas ilegais mais comuns na pirataria digital são o uso da tecnologia para gravar e reproduzir, de outras formas, os conteúdos protegidos. Além disso, há a venda e o uso indiscriminado de “TV Box” e outros aparelhos capazes de captar as transmissões de streaming, sem a necessidade de pagamento das respectivas assinaturas. Assim, conteúdos de filmes, séries, músicas e até aplicativos das plataformas digitais e salas de cinema são desviados e copiados. Sem falar dos e-books comerciais, que circulam fora das lojas digitais e perdem todo o seu valor de exclusividade.
O resultado dessas práticas, repita-se, amorais, é um rombo na economia do país. Isso porque o prejuízo não é apenas da indústria cultural. A estimativa de perda de arrecadação de impostos pelo governo com a pirataria é de, no mínimo, R$ 15 bilhões por ano. Dinheiro nosso, que deveria estar sendo investido em bem-estar social, inclusive em cultura.
Ao utilizar a expressão “amoral”, o objetivo aqui é refletir sobre o alcance social da pirataria. Apesar da prática ser proibida e reprovável, não é considerada imoral pela sociedade. Ao contrário, o comportamento pirata sequer é refletido ou julgado. Ele está afastado do debate ético e moral, justificando sua classificação como amoral. Dessa forma, a pirataria segue sendo praticada sem qualquer tipo de crivo ético por parte da população.
Para quem pensa que pirataria é só sobre obras artísticas e culturais, há, ainda, mais uma triste realidade. A réplica de produtos originais também constitui pirataria e atinge em cheio o mundo da moda e de outras indústrias de produtos de consumo. Trata-se da pirataria de marcas e de desenhos industriais (modelos de produtos).
Pirataria x Propriedade Intelectual
Sobre a pirataria nesse mercado, que também envolve propriedade intelectual, novamente recorre-se ao FNC e a alguns dados. No ano de 2021 foi registrado um prejuízo da ordem de R$ 205,8 bilhões (bilhões e não milhões!) em 15 setores produtivos diferentes: vestuário, combustíveis, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, bebidas alcoólicas, defensivos agrícolas, TV por assinatura, cigarros, material esportivo, óculos, computadores de mesa, softwares, celulares, audiovisual, perfumes importados e brinquedos.
O consumo online desses produtos falsificados – leia-se pirateados – dificultou sobremaneira a fiscalização do poder público quanto a originalidade dos bens e a legalidade de seu comércio. O anonimato das ofertas nas redes sociais e plataformas web impede que se chegue aos responsáveis pela produção e comercialização desses produtos falsificados.
Importante ressaltar que, segundo a legislação brasileira, até quem divulga, expõe ou mantém em depósito produtos piratas pode responder pelos crimes de violação de marca e de desenho industrial. Além disso, há possibilidade de enquadramento como crime de concorrência desleal.
Por fim, como se vê, não faltam leis nem punição. As autoridades estão atentas ao problema e existem foros de discussão pública sobre o tema, como o próprio FNC. O que falta mesmo é a consciência social quanto a ilegalidade, imoralidade e ignorância que envolvem o fenômeno da pirataria. Afinal, praticar a pirataria ou ser conivente com ela significa desprezar a nossa cultura e a nossa indústria. Assim, naturaliza a sonegação de impostos e aceita as perdas tributárias que impedem o país de crescer e prosperar.
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