Remixagem e sampling na era das inteligências artificiais: uma questão de direito autoral

de Elisângela Dias Menezes

Você já ouviu falar em remixagem e sampling? Essas são duas formas de criar novas obras musicais a partir de outras já existentes, mas com diferentes graus de transformação.

A remixagem consiste em modificar uma música original alterando seu ritmo, sua harmonia, sua melodia ou sua letra, mas mantendo alguns elementos reconhecíveis da obra original. Já o sampling consiste em utilizar trechos sonoros de outras músicas, como batidas, vocais ou instrumentos, e incorporá-los em uma nova composição, criando uma colagem sonora.

Essas práticas não são novas no mundo da música. A remixagem surgiu nos anos 1960, com os primeiros DJs que manipulavam discos de vinil para criar novas versões de músicas populares. O sampling surgiu nos anos 1970, com o aparecimento dos primeiros sintetizadores e samplers, que permitiam gravar e reproduzir sons de outras fontes. Desde então, essas técnicas se popularizaram e se diversificaram, dando origem a diversos gêneros musicais, como o hip hop, o house e o techno.

Tecnologias digitais e o Sampling

No entanto, com o avanço das tecnologias digitais e das inteligências artificiais, essas práticas têm se transformado e se intensificado. Hoje em dia, existem softwares e aplicativos que permitem remixar e samplear músicas de forma fácil e rápida, sem necessidade de conhecimentos técnicos ou musicais. Além disso, existem algoritmos que podem gerar remixes e samples automaticamente, a partir de análises de dados e de aprendizado de máquina. Esses algoritmos podem criar novas obras musicais a partir de um banco de dados de músicas existentes, ou mesmo a partir de músicas inéditas geradas por eles mesmos.

Essas novidades têm gerado muita polêmica e debate no campo da música e do direito autoral. Afinal, quem é o autor de uma obra musical que foi remixada ou sampleada por uma inteligência artificial? Quem tem o direito de explorar comercialmente essas obras? Quem deve pagar os royalties aos autores das obras originais? Essas questões ainda não têm respostas claras e definitivas, pois a legislação atual não prevê esse tipo de situação.

O que diz as leis brasileiras

No Brasil, a lei de direitos autorais (Lei nº 9.610/1998) estabelece algumas situações de usos livres, como é o caso das paródias, desde que não haja intenção de confundir o público ou prejudicar o autor original. No entanto, essas exceções não se aplicam aos casos de remixagem e sampling, pois essas práticas não têm caráter pessoal, humorístico ou crítico, e sim criativo e artístico. Portanto, para remixar ou samplear uma obra musical legalmente, é necessário obter a autorização prévia do autor original ou do titular dos direitos patrimoniais sobre a obra.

No entanto, essa autorização nem sempre é fácil ou possível de ser obtida. Muitas vezes, os autores originais não são conhecidos ou localizados, ou não concordam com as condições propostas pelos remixadores ou sampleadores. Além disso, muitas vezes, os remixes e samples são feitos sem fins lucrativos ou comerciais, apenas por diversão ou por expressão artística. Nesses casos, há um conflito entre o direito autoral dos autores originais e o direito à cultura e à liberdade de expressão dos remixadores e sampleadores.

Esse conflito se torna ainda mais complexo quando envolve as inteligências artificiais. Afinal, elas podem ser consideradas autoras das obras que geram? Elas podem ser responsabilizadas por violações de direitos autorais? Elas podem ser beneficiadas por licenças livres ou flexíveis, como o Creative Commons? Essas questões ainda estão em aberto e exigem um debate amplo e profundo entre os diversos atores envolvidos: músicos, produtores, juristas, legisladores, consumidores e sociedade civil.

Veja casos recentes

Para ilustrar esse debate, podemos citar alguns casos recentes que envolvem a remixagem e o sampling na era das inteligências artificiais. Um exemplo é o projeto DADABOTS, criado pelo músico e programador CJ Carr, que consiste em uma série de algoritmos que geram remixes de músicas de diferentes gêneros, como metal, punk, pop e rap. Esses algoritmos usam redes neurais recorrentes para analisar e recriar as estruturas musicais das obras originais, criando novas versões que podem ser ouvidas em tempo real no YouTube. Segundo o programador, seu objetivo é explorar as possibilidades criativas das inteligências artificiais e questionar os conceitos de autoria e originalidade na música.

Outro exemplo é o projeto Jukebox, criado pela empresa OpenAI, que consiste em um algoritmo que pode gerar músicas completas, incluindo letra, melodia e harmonia, a partir de um banco de dados de mais de 1,2 milhão de músicas. Esse algoritmo usa redes neurais para aprender os padrões musicais das obras existentes e criar novas obras que imitam o estilo de diferentes artistas, gêneros ou épocas. O projeto Jukebox também permite que os usuários façam remixes e samples das músicas geradas pelo algoritmo, criando novas combinações sonoras.

Esses projetos levantam questões sobre os limites legais das remixagens e samplings feitos por inteligências artificiais. Será que essas obras são consideradas derivadas ou originais? Infringem os direitos autorais das obras usadas como base? Será que elas podem ser protegidas por direitos autorais próprios? Podem ser licenciadas livremente ou comercializadas? Essas questões ainda não têm respostas claras e definitivas, pois a legislação atual não prevê esse tipo de situação.

Tendo em vista tantas questões com respostas ainda em aberto, é importante acompanhar de perto as novidades e os desafios que envolvem a remixagem e o sampling na era das inteligências artificiais. Sem dúvida, a sociedade precisa discutir amplamente os aspectos técnicos, artísticos, jurídicos e sociais dessas práticas, de modo a buscar soluções que garantam o equilíbrio entre a proteção dos direitos autorais e a promoção da inovação e da diversidade musical.

Saiba mais sobre remixagem, sampling e direitos autorais nas minhas redes sociais.

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